
Da Confissão - A Necessidade de Superação da Súmula 231 do STJ
Ernest von Beling ensinava que a pena, como instituição jurídica, é a resposta do ordenamento jurídico ao autor da prática de um determinado ato ilícito criminal. O Direito Penal possibilita a vida em sociedade porque delimita os marcos de responsabilidade que os cidadãos devem respeitar, segundo as normas dispostas nas Leis Penais. Tem sido assim desde o Iluminismo.
Gracia Martín assevera que as profundas transformações da sociedade pós-moderna fazem com que alguns enunciados político-criminais surgidos no Iluminismo não possam mais ser tomados hoje como modelo de referência da intervenção penal legítima.
Neste cenário vive-se tempos que prestigiam cada vez mais um direito premial, notadamente em função da influência da Análise Econômica do Direito de Posner (Law & Economics). Indivíduos ou empresas que se encontram acusados em processos criminais tem sido intensamente incentivados, não só a renunciar ao direito de não auto-incriminação (privilege against self-incrimination) como colaborar com as autoridades, apontando a participação de terceiros nos delitos para o fim de obterem benefícios do Estado-juiz.
Não se ignoram as inúmeras críticas advindas de parte da doutrina que apontam falta de ética em tal comportamento estatal, contrariando a visão de Hegel, para quem o Estado seria a efetividade da ideia ética. A despeito dessa crítica, o fato não é mais “se” e sim “como” definir limites para essa atuação em uma democracia.
Ainda que as colaborações premiadas e os acordos de leniência estejam submetidos a vários requisitos e condicionantes e que, na sua essência ontológica, possam ser classificados como uma confissão qualificada por determinados resultados, é de se notar a grande desproporcionalidade que o tratamento da confissão espontânea (art. 65, III, “d”) tem recebido no âmbito do processo penal.
O Código Penal vigente positivou como circunstância atenuante o fato de o agente confessar espontaneamente a autoria do crime, perante a autoridade. Contudo, embora confessada a autoria da prática criminosa, o sistema de justiça criminal não oferece a devida recompensa a esse comportamento colaborativo, sobretudo se o acusado for primário, uma vez que o Judiciário aplica a Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça, editada em 1999, época em que apesar de haver previsão legal de colaboração premiada, o instituto não era aplicado. Como se sabe, o verbete sumular diz que: “A incidência de circunstância atenuante não pode conduzir à redução de pena abaixo do mínimo legal.”
Assim, o juiz, ao individualizar a pena, fica vinculado ao mínimo legal estabelecido no preceito secundário do tipo penal, situação geradora de graves distorções, já que o mesmo Superior Tribunal de Justiça reconhece a possibilidade de a agravante reincidência, ser compensada pela atenuante da confissão espontânea. Na prática, o reincidente terá o mesmo tratamento de um réu primário, o que evidentemente é um absurdo jurídico.
Sob tal premissa, existe uma grave contradição no sistema de Justiça Criminal, pois há um insuperável déficit de legitimidade no fato de aquele que confessa a prática criminosa, em última análise, não obter do Estado a devida recompensa pelo comportamento processual colaborativo.
O Projeto do Novo Código Penal, PLS n° 236/12, procurou, ainda que de forma bastante tímida – a redução de pena poderá ser de um doze avos até um sexto -, atribuir um tratamento jurídico mais adequado ao instituto da confissão espontânea.
Com efeito, em função das incongruências demonstradas é necessária a superação pelo Superior Tribunal de Justiça da Súmula 231, editada em 22 de setembro de 1999, seja porque sua aplicação pode conduzir a tratamentos jurídicos iguais a agentes envolvidos em situações jurídicas extremamente distintas, seja porque leis supervenientes atribuem um tratamento bem mais benevolente ao agente que confessa a prática delitiva.
Publicado em: 11/08/2016