
O Combo Persecutório - Organização Criminosa e Lavagem de Dinheiro
Nos últimos anos tem se percebido uma forma de agir de bastante peculiar na atuação dos órgãos que tem como atribuição a investigação e persecução penal, Polícia Judiciária e Ministério Público, respectivamente.
Essa estratégia de atuação consiste basicamente em imputar ao investigado ou acusado os crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro sem que haja necessariamente o devido rigor técnico. Na prática, esse comportamento estatal tem por objetivo facilitar a decretação judicial de medidas cautelares, notadamente a prisão preventiva.
A censurável tática se concretiza da seguinte forma: ao invés de se valer do rigor científico – já que tanto a Polícia quanto o Ministério Público possuem quadros compostos por profissionais de excelência – os integrantes do sistema persecutório, de forma deliberada, fazem vistas grossas aos elementos normativos e, sobretudo, subjetivos necessários à configuração de tais crimes.
Assim, não é raro nos depararmos com imputações que, analisadas de forma técnica, não resistem a um mínimo de confrontação. Um exemplo muito recorrente é a imputação da prática de organização criminosa (que exige a chamada societas sceleris, consubstanciada na estabilidade e permanência, dentre vários outros requisitos), quando na verdade trata-se apenas e tão somente de mero concurso de agentes.
Outra prática muito comum é o verdadeiro fetiche acusatório com o delito de lavagem de dinheiro. Talvez por se tratar de um crime que aparenta certo glamour e requer sofisticação para que não seja facilmente descoberto, a mídia tem dado um elevado destaque na cobertura de fatos que supostamente envolveriam esse crime.
Não trataremos aqui da estrutura e modus operandi do crime de lavagem. Nossas breves considerações apenas buscam demonstrar a vulgarização de sua imputação. A lavagem pode ser conceituada, de forma bastante sintética, como a atividade por meio da qual se busca dar aparência lícita a bens, direitos ou valores provenientes de atividades ilícitas. Ocorre em três fases: placement (colocação), layering (dissimulação) e integration (integração), sendo dispensável a prática de mais de uma dessas fases para que o crime se consume.
Pois bem, algumas das alterações promovidas pela Lei 12.683/12, notadamente a extinção do rol de crimes antecedentes e a alteração da estrutura dos crimes produziram uma coqueluche acusatória, ignorando dogmas muito caros ao Direito Penal. A maior afronta causada por esse fenômeno (que não parece sazonal) é que se ignore o elemento subjetivo do agente, consubstanciado, no caso da lavagem, no dolo (consciência + vontade), já que a lei (ainda) não prevê a modalidade culposa. Disso resulta uma odiosa responsabilidade penal objetiva.
É muito comum verificarmos imputações do crime de lavagem onde familiares são acusados apenas e tão somente por terem recebido recursos ou bens, no mais das vezes totalmente compatíveis com seus padrões de vida. Portanto, o elemento cognitivo é totalmente desprezado nesses casos. Isso é totalmente inadmissível em um Estado que se pretenda democrático.
Com efeito, para que o Direito Penal alcance seus objetivos de pacificação social é condição fundamental que sua aplicação seja pautada na racionalidade dos alicerces científicos e nas conquistas civilizatórias que tanto nos custaram no transcorrer da História.
Publicado em: 14/03/2016